COLUNA: ROOFTOP
Água e a nossa nova realidade: a alternância entre excesso e escassez

Em período de opiniões fortes e diametralmente opostas, a sensatez busca fortalecer os pontos comuns como forma de sobrepor às diferenças. Fato é que por questões naturais ou provocadas, aceleradas ou não pela intervenção do homem na natureza, as mudanças climáticas é uma realidade para todos os estudos cientistas, bem como a nossa fragilidade para enfrentar qualquer alternância em termos de clima.
É com muita tristeza que vimos as cenas de destruição no litoral paulista durante o feriado de carnaval 2023. Uma tempestade com intensidade jamais vista.
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Há dois anos estávamos espantados com a maior estiagem no Estado do Paraná. Vimos imagens dramáticas do “gigante” rio Paraná sofrendo com a seca, o pior cenário de estiagem na região nos últimos 100 anos.
E as queimadas que ocorreram nas florestas mundo a fora? Na Amazônia, no oeste e ao sul dos EUA, nos países africanos como o Congo, Madagascar, Moçambique e Angola. E a Austrália que perdeu 115 km2 para o fogo entre o final de 2019 e início de 2020? Não obstante razões humanas, há fatores naturais que influenciaram as causas e a intensidade destes eventos danosos.
Daí a importância de discutir resiliência, mais especificamente em ambientes construídos. Resiliência no ambiente construído é a transição necessária para enfrentarmos e nos adaptarmos aos eventos climáticos. Os custos de ignorar essa situação e demorar nas respostas aos atuais e futuros impactos das mudanças climáticas serão sentidos socialmente e financeiramente. De acordo com o Centro Deloitte para o Progresso Sustentável, a diferença entre ignorar e tomar uma rápida ação sobre resiliência vale US$221 trilhões para a economia global.
Segundo o Banco Mundial, nos últimos 20 anos, desastres naturais afetaram 4,4 bilhões de pessoas, foram responsáveis por 1,3 milhão de mortes e causaram US$2 trilhões em perdas econômicas.
Os prédios e a infraestrutura das nossas cidades podem contribuir para estes problemas ou podem ser parte da solução.
Nos casos de excesso de água, as edificações podem contribuir no escoamento da água de chuva ao reduzir as superfícies impermeáveis ou captar essa água e detê-la por pelos menos 24 horas.

Há diversas tecnologias disponíveis para o armazenamento dessa água de chuva, inclusive estruturas leves, porém resistentes, ao ponto de estarem instaladas em estacionamentos de shopping centers ou centros de logística. Tecnologias que também combinam matéria-prima reciclada e dotam de declaração ambiental de produto.
O armazenamento pode se dar apenas para retardar a infiltração, contribuindo para evitar o efeito enchente, ou adicionalmente, destinar a água captada para o reuso.
O controle de estocagem de água, pode se dar através do armazenamento no telhado, instalação de telhado verde, armazenamento em estacionamento de veículos, construção de reservatórios enterrados ou abertos, armazenamento em área ajardinada. O controle por infiltração pode ser por pavimento permeável, trincheira de infiltração entre outros.
Fato é que as edificações podem contribuir, mas isoladamente não são a solução para um evento tão inusitado como o ocorrido no litoral paulista. Resiliência em escala urbana exige a participação de diversos atores, principalmente o Poder Público. Sabe aquela região próxima ao seu bairro que há anos alaga com uma forte chuva? Imagina se neste local, onde a criticidade é de conhecimento público recebesse uma chuva com intensidade semelhante ao do litoral paulista?
Dificilmente uma ou outra nova edificação com uma boa prática em termos de controle e gerenciamento de águas pluviais resolverão sozinhas. O Poder Público precisa conduzir seriamente esta discussão, pois precisamos nos preparar para a alternância entre a abundância e a escassez de água.
O Poder Público precisa liderar de forma efetiva a construção de uma rede colaborativa em medidas de resiliência. Alinhar-se com as orientações e regulamentos internacionais sobre adaptação climática e regulamento financeiro. Aumentar as perspectivas de crescimento a longo prazo, protegendo os meios de subsistência das pessoas e empresas locais dos danos relacionados às mudanças climáticas.
As edificações e novos projetos urbanísticos precisam cooperar com medidas de resiliência, como por exemplo:
- Restauração e preservação do habitat natural
- Recuperação de áreas contaminadas
- Recuperação de áreas pré-desenvolvidas
- Alta eficiência no consumo de recursos naturais
- Geração de energia renováveis
- Edificações de uso misto
- Espaços abertos e de convívio público
- Priorização ao pedestre
- Estímulo ao uso de transporte coletivo
- Gerenciamento de águas pluviais e redução do efeito enchente
- Tratamento das águas
- Redução do efeito ilha de calor
- Aumento do bem-estar, conforto e tranquilidade ao nível da comunidade, especialmente durante eventos meteorológicos
No que tange a escassez de água podemos reduzir em nossas residências o consumo de água entre 20 a 30%, prédios comerciais de 30 a 60% e shoppings e grandes prédios comerciais entre 40 a 60% do consumo médio. Vários projetos certificados green building conseguiram tais resultados com total viabilidade econômica.
Há prédios residenciais que captam a água proveniente das chuvas e condensadoras do ar-condicionado, enviam para tanques de estocagem localizados na garagem e disponibilizam para o reuso na rega do jardim e limpeza das áreas comuns, ao ponto de eliminarem o uso de água potável para estas finalidades. Além disso, estimulam seus moradores a reduzirem drasticamente o consumo através da instalação de restritores de vazão e/ou torneiras e chuveiros com vazões não superiores aos limites prescritos pela certificação.
Ou prédios comerciais que possuem usinas para tratamento de águas negras, além de sistemas altamente eficientes e automatizados para a irrigação. Alguns prédios possuem até uma estação meteorológica conectado com a automação da irrigação.
A água será uma prioridade para o movimento internacional de green building e no Brasil há um grupo de especialistas discutindo um programa para o conceito de “zero água” combinando alta eficiência no consumo, reuso e devolução da água limpa para a natureza.
*Este é um conteúdo independente e não reflete, necessariamente, a opinião da Orbi