OPINIÃO
A grande discussão sobre a regulamentação da internet no mundo

Nos últimos dias, muitas das discussões no Brasil tem repousado sobre o Projeto de Lei n. 2630/2020, a chamada Lei das Fake News, cuja qual, em seus termos, tem por objetivo estabelecer normas sobre transparência das redes sociais e de serviços de mensagens privadas, especialmente no que se refere à responsabilidade dos provedores em relação ao combate à desinformação e ao aumento da transparência.
Diferentemente do que muita gente pensa, o Projeto de Lei em questão não fora algo inédito pensado apenas no Brasil: há algum tempo, no cenário internacional, tem se debatido sobre a regulamentação da Internet, especialmente frente ao combate às fake News e a responsabilidade de alguns sites, já que, até o momento e na maioria dos Estados, o conteúdo veiculado em muitas plataformas da Internet acaba por se dar em uma terra sem lei, em completa anarquia.
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Claro que este tema é muito, muito delicado, mas precisamos deixar nossas paixões (especialmente políticas) de lado e agirmos com uma preocupação em relação ao conteúdo a que estamos expostos. Inicialmente, cabe se pensar que o uso da Internet representa, inegavelmente, um grande risco, especialmente no que tange ao compartilhamento de dados e, também, em relação à vasta gama de materiais que estão ali disponíveis.
Para se ter uma ideia, antes das eleições presidências dos Estados Unidos de 2016, a empresa britânica Cambridge Analytica permitiu o uso de dados de 50 milhões de contas do Facebook para criar perfis para anúncios políticos direcionados. O escândalo ajudou a iniciar um trabalho de conscientização do público global sobre o poder dos dados para manipulação na era digital – e como não damos atenção à proteção e ao combate a tais abusos.
Cabe destacar, aqui, que não há uma estrutura abrangente, em termos normativos, nos Estados Unidos, para a proteção de dados e tampouco para impedir o uso indevido das redes sociais a fim de disseminar discursos de ódio e influenciar momentos importantes, tais como as eleições. Em termos concretos, a própria Organização das Nações Unidas já deixou claro, em diversos momentos, que a falta de políticas, leis e práticas corporativas adequadas ante as redes sociais podem fazer com que tenhamos violações frontais aos direitos humanos e, também, uma ameaça perigosa aos processos democráticos.
Pois bem, ainda existe o outro lado da moeda. À medida que os governos tentam determinar as regras do jogo em um cenário digital em rápida evolução, as políticas e as leis desenvolvidas, muitas vezes, não envolvem a contribuição de diversas partes interessadas da sociedade civil, acabando por colocar em risco vários direitos, especialmente das parcelas da população mais vulneráveis.
Exemplo disso é a legislação sobre crimes cibernéticos, promulgada pelos países do norte da África, que, indiretamente, acaba por minar as liberdades civis e criminalizar a própria liberdade de expressão dos indivíduos. Em última análise, tais leis acabaram por permitir a censura do Estado, o bloqueio de sites e a vigilância on-line. Da mesma forma, alguns governos do continente asiático estão promulgando leis com a mesma intenção: silenciar a população contrária ao regime, criminalizando boa parcela do exercício da liberdade de expressão.

Em um cenário totalmente contraditório, onde a censura e a violação de direitos ganham a roupagem de busca pela transparência, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) publicou, em novembro de 2022, um guia para a aplicação de princípios voltados à transparência e prestação de contas na era digital – intitulado de Letting the Sun Shine In. Neste documento, fica claro que as empresas que trabalham no mundo digital – especialmente as redes sociais – são excelentes plataformas para a liberdade de expressão, a difusão do conhecimento e a construção de comunidades cada vez mais heterogêneas.
Porém, destaca-se que o problema maior é que por conta de uma insuficiente transparência de tais empresas, cada vez mais tais benefícios acabam por serem ofuscados por uma outra realidade presente naquela rede: discursos de ódios, fake news e manipulação de informações, especialmente em regimes democráticos, que levam ao esvaziamento de direitos e, também, à necessidade de se trazer uma regulamentação que atenda e garanta apenas o bom caminho da Internet.
Basicamente, diz-se que, segundo a UNESCO, a regulamentação da Internet, guiada por leis nacionais, a partir de princípios globais (determinados pela própria agência no documento acima destacado) que traga, consigo, a busca pela feitura de relatórios de transparência por tais empresas e redes sociais, tende a permitir que as empresas demonstrem o cumprimento de suas obrigações em relação aos direitos humanos e que trabalhem de forma clara com o gerenciamento de risco em relação à utilização das plataformas pelas mais diversas pessoas.
E aí é que precisamos fazer nosso papel de vigilância: a partir do momento que uma lei vem a ser idealizada pelo Estado, em termos de regulamentação da Internet, devemos observar se há, de fato, um caminho para censura, manipulação da informação ou violação dos direitos humanos. Caso tenha, há diversos foros internacionais aptos a garantir com que tenhamos voz e, também, que possamos fazer valer os nossos direitos.
Agora, caso a lei venha a se inspirar nos parâmetros internacionais, especialmente da UNESCO e, também, traga consigo uma segurança maior para que não sejamos vítimas da desinformação tão disseminada em redes sociais, não há cabimento algum que sejamos contrários a tal normativa. E é neste último cenário que vejo, de fato, o Projeto de Lei n. 2630/2020 brasileiro.
*Este é um conteúdo independente e não reflete, necessariamente, a opinião da Orbi