OPINIÃO
'Coloca a Anitta para dançar, porque aí a gente vende mais'

“Coloca a Anitta para dançar, porque aí a gente vende mais”. Por mais absurda que seja, ouvi essa frase recentemente durante uma apresentação do lançamento de um novo produto financeiro para investidores e investidoras. Toda seriedade e formalidade do momento não impediu que um comentário leviano e misógino como esse viesse à tona. Parecia que estávamos na mesa de um boteco e senti repulsa imediata.
A reunião era online, no formato de webinário, o interlocutor não via as pessoas que estavam na platéia, mas certamente levado pelo histórico do mundo predominantemente masculino.
Continua após a publicidade
Mesmo que o comentário tenha menção ao nome da Anitta, uma cantora que sim dança entre N talentos que a levaram ao patamar que está, seu caráter misógino afeta todas nós. Foi um desrespeito coletivo ao gênero e inevitavelmente me afetou como mulher. Fiquei pensando na gravidade e na profundidade por trás dessa frase. Como aquele homem se sentiu à vontade o suficiente para formular tamanho absurdo? A resposta para essa pergunta nos encaminha rumo a um diagnóstico social.
Pois bem, a formulação dessa frase revela a misoginia e o patriarcado que perpassam todas as esferas da sociedade e nos encontram em quaisquer lugares pelos quais passamos: dentro de nossas casas, enquanto caminhamos nas ruas ou nos prédios corporativos . Ainda que uma mulher tenha conseguido ocupar as brechas do machismo estrutural e sentar à mesa de uma grande empresa, cedo ou tarde vai se deparar com um comentário preconceituoso durante uma reunião.
Para algumas pessoas, a frase acima passaria como ordinária. No entanto, não há como naturalizar o absurdo. Seu significado aponta sobretudo para a objetificação da mulher e sua vulgarização. É de indignar!
E não para por aí…
Na experiência das mulheres no mercado corporativo, esse comentário se agrava com tantos outros hábitos. Interrupções, silenciamentos, descredibilizações e uma série de costumes que transformam a nossa jornada em um trajeto árduo.
Eu poderia escrever este texto como um manual de sobrevivência, indicando passos para trilharmos e sobrevivermos a esse ambiente hostil e misógino. No entanto, talvez a reação não tenha que partir - apenas - de nós.
Dessa vez, me limito a um apelo coletivo. Convoco às empresas e aos profissionais do gênero masculino para que busquem conscientização, assumam responsabilidades e promovam intervenções com foco na construção de um ambiente de trabalho mais justo e mais saudável para todos os gêneros, etnias e classes sociais.
Se queremos mais mulheres investidoras e decisoras nas empresas, precisamos de mais elegância, na verdade mais respeito em discursos como esse. Tanto para o público que assiste como para a base de decisões. Eu como investidora não vou decidir meus aportes com base em negócios que usam dançarinas como meio de vendas, e sim decido por negócios com fundamento, estruturados e longevos.
Demos muitos passos nos últimos anos no que tange à representatividade em cargos de liderança, mas ainda estamos longe da igualdade e, às vezes, as mudanças mais substanciais começam pelo mínimos detalhes. Faz parte do nosso avanço, a mudança do tipo de comentário que se pronuncia em uma apresentação.
*Este é um conteúdo independente e não reflete, necessariamente, a opinião da Orbi