COLUNA: TODA GENTE
A Baleia, o cinema e a gordofobia
Não é preciso ver o filme A Baleia para não gostar do título

Não é preciso ver o filme "A Baleia" para não gostar do título. A imagem de um homem com excesso de peso associada ao nome de um animal frequentemente utilizado para ridicularizar pessoas gordas é o suficiente para gerar aversão ao filme e ao título. Além disso, trouxe gatilhos de ansiedade e pânico em pessoas que sofrem ou já sofreram gordofobia. Ainda assim, fui ver o filme e entrevistar críticos de cinema e pessoas ligadas à militância gorda.
Não há dúvidas sobre a excelente interpretação de Brendan Fraser, que, talvez, salve o filme de críticas ainda mais duras. “A compulsão alimentar é retratada de forma muito inconveniente”, afirma Filipe Rodrigues, jornalista convidado desta semana do podcast Toda Gente. “É imediata a associação da obesidade à sujeira. Quem conhece pessoas com compulsão alimentar sabe que não é bem assim, já que o comportamento compulsivo claramente pode se manifestar de forma menos animalesca”, conclui.
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Trouxe também para essa conversa Alexandra Gurgel, do Movimento Corpo Livre, para quem gordofobia não é novidade, como ela deixa claro já na primeira fala do podcast “Com nove anos de idade, eu fui ao médico e o ele virou pra mim e falou que ninguém ia me querer porque eu era gorda.” Com o tempo, ela passou a acreditar naquela informação. “Eu entendi, olhando ao meu redor, no entretenimento, na televisão, em todos os lugares, que o médico estava certo mesmo, porque em nenhum lugar a gente via as pessoas gordas fora do estereótipo da gorda que é uma coitada, a gorda que ninguém quer, a gorda relaxada, a gorda fracassada, a gorda que é virgem e tem que fazer muito esforço pra alguém querer fazer uma caridade pra ficar com a pessoa.”
No filme de Darren Aronofsky, o personagem de 270 kg tem vergonha até de abrir a câmera do computador e mostrar o rosto para seus alunos. Esconder o corpo é mais comum do que se imagina. Alexandra está divulgando uma pesquisa que revela que 20% das pessoas gordas não vão à praia por simplesmente não caberem nas cadeiras de praia; 50% das pessoas com deficiência não vão por falta de estrutura. Além disso, cerca de 69% dos PCDs e 45% das pessoas gordas relataram já terem sofrido algum tipo de preconceito na praia. Sobre o acesso ao mar, 50% das pessoas com mobilidade reduzida não vão por não terem acesso a rampas para areia e água, e 18% das pessoas obesas alegam a mesma dificuldade.
Diante do cenário, o acesso aos banheiros públicos também se torna um desafio para esses perfis – para 48% das pessoas com deficiência e 24% de perfis obesos, os locais não são seguros e nem inclusivos.
Ao trazer um protagonista que enfrenta problemas de saúde agravados pelo excesso de peso, "A Baleia" não ajuda em nada pessoas que passam pela mesma situação. Não humaniza, não atrai empatia. Além disso, o filme perde a oportunidade de explorar outro preconceito que percorre e estraga a vida do protagonista, a homofobia.
O debate é longo e segue no podcast Toda Gente, um podcast sobre nós, uma sociedade mais justa, sem preconceito.
*Este é um conteúdo independente e não reflete, necessariamente, a opinião da Orbi