COLUNA: O MUNDO HOJE
15 anos depois: o Tratado para proteção da biodiversidade em alto-mar
A partir de agora, felizmente, podemos prospectar um cenário mais colorido para a biodiversidade que em alto-mar se encontra

Foram mais de 15 anos de negociações, incluindo, aí, 4 anos formais, para se chegar, no último sábado, dia 04 de março, a um marco histórico na proteção ambiental: finalmente, os delegados representantes dos Estados-membros alcançaram, no âmbito da Organização das Nações Unidas, um documento apto, ao menos na retórica, a “combater as tendências destrutivas que ameaçam a saúde dos oceanos, hoje e nas próximas geração” (nas palavras do seu Secretário Geral, Antonio Guterres).
Há uma vitória implícita, frente a tal contexto, também do multilateralismo: em um mundo com crescentes dúvidas em relação ao papel e à sobrevivência das organizações internacionais, os Estados chegarem a tal entendimento, especialmente no âmbito da Organização das Nações Unidas, faz com que entendamos que ainda há espaço para os foros multilaterais em mundo já pós-globalizado.
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Porém, voltemos ao ponto: tal documento internacional tem uma relevância inenarrável à proteção dos oceanos, já que mantém acesa a chama de proteger 30% dos oceanos do mundo até 2030 (algo chamado, em foro internacional, de meta 30X30). Lembremos que dois terços dos oceanos são atualmente considerados águas internacionais e, assim sendo, todos os países possuem o direito de pescar, embarcar e fazer pesquisas. Porém, o problema que se observa, na prática, é que apenas 1% de tais águas (conhecidas como alto-mar), estavam, até hoje, sendo efetivamente protegidas. Por consequência, 10% da vida marinha em alto-mar encontra-se ameaçada de extinção por diversos motivos, inclusive por uma exploração indiscriminada e, até então, não regulamentada e, também, pela poluição que se demonstrava crescente.

Pontuemos, aqui, que o alto-mar começa exatamente onde termina a Zona Econômica Exclusiva de cada um dos Estados, até um máximo de 200 milhas náuticas da costa, não estando sob a jurisdição de nenhum país. Lembremos, também, que tais estruturações marítimas vêm de um outro tratado que também se preocupa com a questão das águas, qual seja, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (1982). Todavia, não se encontra em seu escopo a preocupação e a proteção da questão da biodiversidade que se encontra nos oceanos e, muito menos, daquela que se observa em alto-mar.
A partir de agora, felizmente, podemos prospectar um cenário mais colorido para a biodiversidade que em alto-mar se encontra, já que os Estados-membros da ONU, finalmente, chegaram aos termos necessários à configuração e estruturação de seu documento de proteção.
Aliás, entrando neste ponto, há de se destacar que a High Ambition Coalition, que inclui a participação da União Europeia, dos Estados Unidos e do Reino Unido, e a China, de outro lado, foram os atores-chave na intermediação das negociações do tratado: ambos demonstraram suas vontades de concretizar o compromisso nos últimos dias. Porém, a liderança ao longo nas negociações foi dos pequenos Estados insulares, já que estes, inegavelmente, vêm sofrendo com as mudanças climáticas, com o aumento das marés e com o desaparecimento de espécies dos oceanos.

Em termos materiais, o ponto principal das discussões repousou na partilha justa dos benefícios monetários dos recursos genéticos marinhos, resolvendo-se a questão apenas no último dia das negociações. Outro ponto importante e que ainda merece maior atenção dos Estados é a seção do Tratado que diz respeito às Zonas Marinhas Protegidas: infelizmente, não se conseguiu incluir em seu bojo a proteção dos oceanos por intermédio de organismos regionais existentes, tais como a Comissão do Oceano Antártico.
A partir de agora, devemos esperar o dificultoso processo de ratificação do tratado pelos Estados e, principalmente, nós, como sociedade civil, cobrar que o Brasil – que enviou uma robusta delegação para as negociações finais dos termos do documento – venha a implementá-lo e adequar sua legislação nacional para que, de fato, contribua com a proteção da biodiversidade que em alto-mar se encontra.
*Este é um conteúdo independente e não reflete, necessariamente, a opinião da Orbi