COLUNA: BICI E VIDA
Personagens da bike: Jassa, o restaurador

No início dos anos 2000, Jassa começou a achar que bicicletas com cerca de 10 anos de uso estavam muito desvalorizadas apesar de serem produtos espetaculares para pedalar! Começou comprando uma, duas... De repente percebeu que estava a formar uma coleção, e passou a ser mais seletivo em suas aquisições: “Não é possível comprar todas as oportunidades que aparecem, sem determinar um padrão mínimo de qualidade e de conservação, você fica com uma quantidade insana de produtos de baixo valor e ainda gasta com espaço para esse material”. Assim o Jassa desenhou diretrizes rígidas para sua coleção, seriam bicicletas seminovas, pouquíssimo uso e de alta performance. Segundo ele colecionar sem rumo não é uma opção, você passa a ser um acumulador e não um colecionador. Se você tem uma coleção também precisa apresentá-la adequadamente, e não vale a pena apresentar algo semi-destruído ou modelo que não tenha marcado época, que não seja icônico.
Mas no Brasil é difícil achar bicicletas de alto padrão com pouco uso, então Jassa passou a arriscar a restauração de uma pintura aqui, um polimento ou anodização alí... E isso virou seu laboratório.
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“Eu vim de uma área profissional de tintas e anticorrosivos industriais, isso me ajudou muito a encontrar soluções diversas para muitos desafios da restauração, tudo que é visto nos meus perfis das redes sociais, são técnicas criadas por mim, eu desenvolvi os meus próprios adesivos e não dependo de terceiros e do mercado de adesivos de bike em geral, que são todos muito longe de serem iguais aos originais outras técnicas adaptadas a realidade da restauração das bikes, não existe receita pronta para todos os desafios encontrados.”
E nessa brincadeira de fazer sua coleção, e com os anos de experiência Jassa se tornou um dos restauradores mais requisitados do Brasil. Se você o procurar para um trabalho pode esperar algumas situações, ele é seletivo, ele não gosta de muita conversa, tem que confiar nele, o negócio dele é mão na massa, mas depois de contratá-lo, uma enciclopédia de conhecimento de marcas, suspensões, processos de fabricação e acabamentos estará trabalhando a favor do seu projeto.
“A assessoria que eu faço para muitos colecionadores, é baseada em conhecimento adquirido, eu sou mecânico de MTB desde 1992, desde essa época, eu já fazia manutenção nas suspensões Rock Shox Mag 21 por exemplo, e sempre estive antenado com os acontecimentos das novidades do universo do MTB no exterior através de muitas revistas gringas, que eu comprava de um jornaleiro que tinha em minha cidade, que vendia revistas internacionais, principalmente as revistas Mountain Bike Action (MBA) americana. É fato também, que na época, o universo do MTB no Brasil estava 10 anos atrasado ao que acontecia no exterior, devido às restrições de importação e a difícil atualização dos meios de informação, a internet ainda estava nascendo.
Como eu tinha acesso a muita informação privilegiada, passei a ter um senso muito apurado de qualidade de peças, bikes, performance e peso, inclusive, fui um dos primeiros Weight Weenies do Brasil, até porquê, na época, ninguém se preocupava com o peso das bikes e eu já era daqueles que trocavam todos os parafusos de uma bike. Fui empresário do ramo em 1994, fui revendedor Mongoose, Giant, Litespeed entre outras marcas conceituadas.”
Perguntei ao Jassa o que era preciso para uma bicicleta ser colecionável? E exigente que só ele com seu trabalho e sua paixão ele respondeu:
Para uma bike ser colecionável, depende do conceito da sua coleção. Não existe receita básica, cada um faz a sua coleção como bem entende. Mas existem níveis de coleções muito distintas.
Uma coleção de bikes, depende muita da organização, disciplina, dedicação e conhecimento, costumo dizer que não é possível ter todas as bikes que queremos, mas temos que ter as melhores bikes possíveis dentro do seu conceito. Tem gente que coleciona só bikes de ciclismo ou urbanas, assim como tem quem só coleciona MTB de uma certa marca e aí por diante, mas que fique bem claro que uma coleção é composta por história, uma coleção é baseada em fatos daquilo que aquela bike proporcionou no passado e contribuiu para o desenvolvimento do esporte. Ter bikes em quantidade sem qualidade, é acumulo de bikes e não uma coleção.
Outro fato importante, bikes de qualidade não se monta em um mês, por mais dinheiro que você tenha, uma bike top de coleção não leva menos de 3 anos para concluir e mesmo assim uma bike está sempre recebendo upgrades vintage, muito diferente da maioria que acha que vai encontrar tudo na internet e vai comprar tudo em uma semana.
Então existe um trabalho conhecido entre colecionadores por “garimpo” e esse trabalho tem seus critérios...
“O Garimpo de peças hoje, não é o mesmo de 20 anos atrás, hoje existe um exército de atravessadores, que sobrevivem de revender peças e bicicletas vintage no mercado, principalmente nas redes sociais e isso aumentou muito o mercado de sucatas vintage, que aumentou a procura e isso elevou muito os preços de peças e das bikes vintage como um todo. É muito difícil encontrar boas peças, suspensões e bikes que valham a pena serem colecionáveis nesse nicho do mercado paralelo, a maioria está seriamente inutilizável, para um colecionador sério, essas peças custam caro para restaurar e muitos componentes precisam de peças doadora de outro componente igual.
O garimpo é somente o estágio inicial para o início ou continuidade de um projeto de restauração, a restauração ou a montagem, é a consolidação desse projeto. O colecionador purista, por exemplo, não aceita que um componente não seja pelo menos 90 % igual ao original. Felizmente, não é raro que uma restauração fique muito superior a um componente original, hoje existem muito mais recursos do que a 30 anos atrás, isso pode ser bom ou não, mas existem melhorias que são feitas muitas vezes para preservar o que está sendo restaurado por mais tempo.”
Quais os critérios que você usa para optar por repintar e readesivar um quadro ou retocar a pintura? Bicicletas repintadas têm valor diferente das retocadas?
O objetivo principal, é ter a menor intervenção possível com o original, por motivos práticos e financeiros, a restauração só tem valor se for meticulosamente igual ao original, existem muitas supostas restaurações realizadas por profissionais que não tem o conhecimento específico do objeto a ser restaurado, ou o objetivo é fazer bem feito pra ficar bonito e não profissionalmente igual.
É claro, que algumas bikes ou peças, são impossíveis de ser “retocadas” e aí somente com a restauração partindo do zero é possível de reconstruir a bike.
Mas o valor depende do conjunto, não é a restauração que vai depreciar o valor da bike e sim como ela foi montada, é um conjunto de fatores. Para muitos conhecedores, uma restauração mal feita, é claramente identificada, assim como falsificações de bikes vintage, esse tipo de “serviço” é como um chute na cara de um colecionador, é o caso de fazer bem feito pra ficar novinho, mas não se parece em nada com uma original (isso no contexto de restauração para colecionadores).
O ofício do restaurador, é reconstruir aquilo que foi destruído ou danificado para voltar a ser o que era, ao contrário de outros ofícios correlatos, que precisam entregar o serviço rápido para receber rápido e não existe o compromisso com a originalidade.
A restauração é um ótimo investimento para peças de alto valor agregado, elas podem valorizar até 500% o valor da bicicleta adquirida mais o valor da restauração, existem as restaurações de valor sentimental também, essas não têm preço, indiferente do nível da bike, tenho clientes que gastam mais do que vale a bicicleta ao final da restauração, e mais do que a bicicleta valia quando nova. Mas afeto não se compra...”
O Jassa mora em Limeira e se diz mergulhador antes de ciclista, o ciclismo era um esporte de apoio ao mergulho... Imaginem se fosse a sua primeira paixão!?

*Este é um conteúdo independente e não reflete, necessariamente, a opinião da Orbi.